03 Setembro 2020
Paolo Dall’Oglio, italiano de nascimento, tornou-se jesuíta, estudioso do Islã e falante de árabe fluente. Começando nos anos 1980 e durante 30 anos, Paolo buscou um diálogo entre muçulmanos e cristãos na Síria. Esse diálogo era principalmente informal, mas também tinha seu lado acadêmico.
O comentário é de Gabe Huck e Theresa Kubasak, autores de “Never Can I Write of Damascus: When Syria Became Our Home” [Nunca poderei escrever sobre Damasco: quando a Síria se tornou nosso lar] (Ed. Just World Books), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 02-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Paolo começou, muitas vezes sozinho, abraçando o trabalho de reviver, pedra por pedra, uma construção monástica que havia sido abandonada 100 anos antes. No alto de uma montanha com vista a leste para o deserto da Síria, esse mosteiro pode ter sido construído na época dos romanos como uma torre de guarda militar contra possíveis invasores.
Quando começamos a viver na Síria em 2005, frequentemente nos perguntavam se tínhamos visitado Deir Mar Musa al-Habashi: o mosteiro de São Moisés, o Abissínio, sendo esse “Moisés” o lendário fundador de vários mosteiros em suas viagens da África oriental para a Síria romana. Quando deixamos a Síria em 2012, já tínhamos viajado várias vezes de ônibus durante uma hora desde Damasco rumo ao norte para visitar essa comunidade religiosa.
Conhecemos Paolo e muitos dos homens e mulheres da comunidade monástica. Quando tínhamos visitantes dos Estados Unidos, nós os levávamos até lá. Onde mais seria possível ver nas paredes de uma igreja, construída há 1.500 anos, afrescos pintados nos séculos XI e XII?
Frequentemente, nossos estudantes iraquianos vinham conosco para visitar Mar Musa. Esses estudantes estavam entre as centenas de milhares de iraquianos que buscaram segurança na Síria durante a ocupação estadunidense do Iraque. Subíamos degraus sinuosos até chegar finalmente ao mosteiro, depois de nos abaixamos para passar pela entrada e entrar no pátio movimentado – ou silencioso – e sermos acolhidos.
Uma citação dos escritos de Paolo é útil aqui. Observe a ladainha que ele invoca dos nossos ancestrais cristãos que compreenderam algo desse vínculo entre muçulmanos e cristãos:
“Vivemos a nossa vocação a partir dessa riquíssima experiência de testemunho cristão acumulada pelas Igrejas orientais em convivência com os muçulmanos durante 14 séculos e profundamente harmonizada com eles por meio da língua árabe. E percorremos o caminho de Francisco de Assis, Inácio de Loyola, Charles de Foucauld, Louis Massignon e Mary Kahil, sentindo o amor de Jesus por cada muçulmano e muçulmana. Agora, consideramos o Islã como o grupo humano ao qual pertencemos e no qual somos felizes de viver, gratos por termos sido escolhidos por Deus para participar da vida da ummah [a comunidade muçulmana]. Entendemos o mosteiro como a casa espiritual daqueles cristãos, discípulos de Cristo, que sentem uma vocação de amor profundo e humilde pelos muçulmanos e pelo Islã, tanto quanto como um porto espiritual para os muçulmanos que sentem uma vocação para uma amizade profunda com os cristãos. Para ambos, é um lugar de harmonia e uma profecia para a paz na nossa região e além.”
Poderíamos acrescentar à lista de Paolo dos cristãos que abraçaram a comunidade muçulmana os monges trapistas da Argélia, cuja história é contada em um excelente filme, “Homens e deuses”, e no livro “The Monks of Tibhirine”, de John W. Kiser.
No início de 2011, protestos não violentos contra o governo sírio começaram e se espalharam por toda a Síria, especialmente após a oração do meio-dia das sextas-feiras. De sexta a sexta, esses protestos eram respondidas com violência por parte do governo. Paolo pediu o fim da violência e negociações entre o governo e os cidadãos. Mas, pouco a pouco, havia violência de todos os lados, embora o testemunho não violento continuasse – e continuasse trazendo uma resposta violenta por parte do governo. Logo, outras nações estavam enviando forças militares para ficar de um lado ou de outro.
As autoridades sírias ordenaram que Paolo abandonasse a Síria no verão de 2012. Enquanto estava fora da Síria, Paolo assumiu uma posição contra o governo sírio. Em 2013, Paolo voltou para a Síria, aparentemente cruzando a fronteira com a Turquia. Pelo menos parte da sua intenção era interceder pela libertação de várias pessoas que haviam se tornado prisioneiras do ISIS, também chamado de Daesh.
Paolo não voltou da Síria. Durante anos, muitos esperaram que ele ainda estivesse vivo, talvez sendo mantido como refém para ser usado no futuro. Essa esperança parece improvável agora.
“A Church of Islam: The Syrian Calling of Father Paolo Dall’Oglio” [Uma Igreja do Islã: o chamado sírio do Padre Paolo Dall’Oglio] (Wipf & Stock, 2019, 164 páginas), de Shaun O’Neill, é o primeiro livro em inglês a contar a história de Paolo e de outros membros da comunidade e a sua abordagem na conversa entre o Islã e o cristianismo. “Conversa” aqui envolve um profundo respeito uns pelos outros. E a conversa ao longo dos anos abrange não apenas a história, mas também o próprio tecido de relações do ser muçulmano ou do ser seguidor de Jesus.
O’Neill se encontrou com Paolo apenas uma vez, quando O’Neill estava visitando a Síria pouco antes do início dos protestos de 2011. Ele nos conta que visitou Deir Mar Musa depois de “uma recomendação casual de um amigo de Damasco”. Com muitos outros visitantes chegando naquele dia, O’Neill encontrou os monges e as freiras da comunidade, conheceu Paolo brevemente, passou a noite e voltou para Damasco com muito em que pensar.
Ele continuou seus estudos na Suécia e manteve contato com as comunidades monásticas da Síria e depois do Iraque, todas relacionadas com a experiência de Mar Musa. O autor claramente respeita a comunidade, sabe que as mais de duas décadas de compromisso de mulheres e homens com a visão que Paolo e outros articularam são vitais e importantes para além da Síria.
Algumas precauções, portanto. O título nos parece confuso: “Uma Igreja do Islã”. O que o “do” pretende transmitir? Paolo uma vez escreveu: “Eu comecei a pensar como transformar a presença da Igreja no mundo islâmico em uma Igreja para o mundo islâmico”.
É alarmante o autor dizer que seu livro contém “elementos criativos de não ficção”. O que isso significa? Outro problema: nenhum índice. Em vez disso, há uma bibliografia que é surpreendentemente confusa. E as notas de rodapé abundam, muitas desnecessárias. É por isso que os autores precisam de editoras, e as editoras precisam de editores.
O último livro que Paolo escreveu e publicou (em francês) foi “Amoureux de l’Islam, croyant en Jésus”. O título resume Paolo Dall’Oglio: apaixonado pelo Islã, crente em Jesus.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pe. Paolo Dall’Oglio e seu amor pelo Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU